em que momento surgiu a fissura? quando eu me dividi? por que alguns lugares eu vou e outros não, por que saio com umas pessoas e outras não? questões colocadas na terapia. existem medicamentos como a ritalina e o socian que atuam da parte frontal do cérebro, na área dos estímulos nos jogando "para a frente". vera cuida diligentemente dessa área e se aborrece por não ver resultados no tratamento. digo a ela que talvez eu tenha ficado assim do nada, que não é preciso medicar, mas ela insiste em que não é possível, não é normal.
experimentamos então várias drogas, combinações, alquimias, pequenas porções de cada droga numa administração contínua e monitorada. eu tinha depressão, mas foi plenamente resolvido com o prozac. restou a agorafobia, desconhecida de muitos. há pouco tempo perdi uma viagem à austrália, sidney porque não tive coragem de pegar o avião. eu iria trabalhando, com tudo pago por trinta dias. os presidentes das empresas que patrocinaram não acreditaram que eu recusei. mas foi.
depois veio a história do supermercado. sempre adorei ir a supermercados. aos poucos, fui deixando de gostar até o período atual, que tenho pânico, não entro em hipótese alguma. sirvo-me dos mais careiros que entregam em casa ou peço à empregada que faça as compras por mim. outro lugar que sempre me deliciou são as livrarias.... quase diariamente passava horas e horas no travessão, folheando esse ou aquele livro e não saía sem comprar três ou quatro. nunca mais fui. compro meus livros pela internet.
namorar é uma impossibilidade absoluta. mas nesse caso pesam outras coisas: além do medo de sair, tem a coisa do novo, de uma nova pessoa, dela não perceber tudo o que rola comigo. tem mais: tem a questão sexual, fundamental nas relações e fico sempre tendo certeza de que vou falhar, serei um retumbante fiasco, afastando ainda mais a pessoa de mim ( que, ou acha que ela não me atrai ou que eu sou um impotente); nem uma coisa nem outra. sou uma pessoa de intimidades, adora a intimidade.
por que consigo sair para trabalhar? verdade que, antes do tratamento, por um tempo não consegui ir. depois fui. e por quê? minha terapeuta eu eu concluímos que, por força das circunstâncias, eu criei uma intimidade com o ambiente que passou a não representar uma "ameaça". trabalhar na rua é a mesma coisa de estar em casa. e como vou ao consultório da terapeuta? primeiro eu levei muito tempo pra ir, marquei e desmarquei várias vezes. Depois a ansiedade, o desespero e a insônia venceram.
hoje fico bem no consultório - embora tenha que atravessar a enorme tortura de me locomover até lá. Fiz algumas pesquisas na internet e sei que existe uma terapia que me foge o nome à cabeça, comportamental, creio, que parte do princípio de avançar aos poucos: primeiro sair com uma pessoa acompanhando, depois ir um pouco mais longe, depois tentar uir sozinho mesmo que em pânico e com as mãos suando frio. não sei, mas pra mim isso parece tortura.
por outro lado, fui cada vez criando mais opções dentro de casa onde leio, vejo televisão, escrevo e trabalho. não deixo de ser produtivo e passo da categoria de louco varrido à de excêntrico. joão gilberto não sai de casa e o mundo inteiro acha uma gracinha. eu sei que ele deve ter agorafobia.
não vem ao caso. da minha parte, já que cumpro com os compromissos sociais, deixo de ser um perigo à sociedade. não mordo rodapé, afinal de contas.
os amigos, por sua vez, foram se afastando depois de me convidarem inúmeras vezes para os mais variados eventos, desde shows até um bate papo na casa de um deles. insistiram e, com o tempo, me deixaram para lá.
agora é a mesma coisa. estou apaixonado, vejam que situação absurda! o que eu posso esperar em troca de uma infeliz pessoa que sabe de mim ao longe, numa conversa fugaz aqui e ali, jamais presencialmente? não posso esperar nada, a não ser que essa "novidade" acabe e que ela siga seu caminho de vida normal. é como esperar um trem para determinado destino por anos e anos e quando chega o trem, fico travado na plataforma. ele apita, avisa que vai partir, o condutor vem até mim e explica que eu preciso entrar porque ele deve partir, mas eu não consigo; primeiro vagarosamente, depois mais depressa parte o trem do meu sonho e fico eu, solitário na estação como um não-ser.
volto à minha terapeuta que acha que devo fazer a medicação ininterruptamente na esperança de resultados, mas acabo parando de vez em quando e me embrigando de cerveja. ela não me proíbe de beber, claro. nos últimos tempos tenho saído com colegas de trabalho e tomado cerveja no bar da esquina - é o máximo que tenho me permitido.
mas não é só isso não. não sei se pela enfermidade psíquica ou por efeitos colaterais dos medicamentos, a verdade é que minha libido diminui drásticamente, muito além das perdas pela idade. a libido é um divisor de águas porque nenhuma mulher na face da terra manteria uma relação com um homem assim. diante do imprevisto, do paradoxo entrego-me a alguma intectualidade, buscando na literatura (tanto na lida quanto na escrita) uma válvula por onde escapa o sentimento reprimido como gás no bojão.
ademais o que poderia restar? acredito que nada. a esperança que descubram uma droga realmente eficaz (mas se não descobriram para o câncer e a aids, por que se preocupar com deficiências de pequena monta?) aqui está escrita uma pequena parte do que realmente é. o resto deixo nos cadernos porque ninguém merece, né? :)
existem comunidades de agorafóbicos que trocam experiências na internet. tem muita gente assim, que não se despe e não é percebida pela sociedade, não fede nem cheira. não estou sozinho, é claro.
antes eu tinha medo de dirigir meu carro e agora tenho medo de andar de ônibus. a coisa é mutante, vai me perseguindo para cada lugar que me viro. de resto, vou vivendo com essas limitações.... tentando explicá-las a quem eu tenho intimidade (que também não compreendem, mas calam) - o tempo vai passando e meu tempo de terra diminuindo. hoje, minha única preocupação é não causar nenhum tipo de dor a helena. só isso.
19/02/2007
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Atenção
- G
- Nada encontrado. Seria ousadia demais definir o indefinível, dizer quem sou ou se sou. Deve ser uma miscelânia de idéias entrecortadas, salpicadas de perguntas sem respostas e indecisões doloridas. O que mais poderia ser?
Em suma...
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