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23/03/2007

All That Jazz


a sala é fria, ambiente inóspito, ar condicionado e mesas e cadeiras iguais como se fossemos todos iguais. larissa me vem e fala das coisas... coisas, meu deus. falo das agruras do pantanal em contraposição ao rio, a copacabana que ainda me engana. luisa sarmento chega depois e as duas se cruzam no hall dos elevadores. sorrio do encontro fortuito das duas, uma a entrar e a outra a sair do elevador, uma que entra e outra que sai do foco das minhas câmeras (minha visão das mulheres é, como já repeti, através do visor em preto e branco das cameras). porque a mulher é a estética construída em salões de beleza e/ou saídas das mãos dos cirurgiões plásticos.
a atriz que interpretou bety blue no cinema francês não é a mulher que dorme ao meu lado, mas a idéia de mulher que um outro criador construiu para mim num processo ininterrupto de construções e desconstruções de personas. e, se olho em retrospecto, percebo uma enorme vitrine onde repousam cabeças e corpos de mulheres que foram chegando e saindo da minha vida, ventres que deram à luz, filhos hoje distantes, cada uma com suas propostas de roteiro, com seus scripts mal decorados, seus sexos sedentos não exatamente de prazer, mas de uma idéia de prazer, de uma construção arquetípica que o dramaturgo alcoólatra, velho e solitário rascunha em suas folhas amareladas por um tempo que não se concluiu.
olho então para as duas belas mulheres jovens que se cruzam e sei que ambas estarão em minutos no estúdio comigo, e ambas irão sorrir e olhar, mas que aqueles olhares não possuem nada que não seja crítica ferina e silenciosa e que apenas eu poderei dar cor aos seus olhares, sensualidade que será traduzida em sexualidade nos que vão assistir porque não me são mais nada do que construções estéticas da minha equipe concluídas pela minha visão exclusiva amparada em filtros e cores e tonalidades e expressões, num conceito enfim, exclusivamente meu, completamente profissional em produzir o ideário, da ânsia do espectador... que, no raiar da madrugada não desfrutarei de nenhum dos seus corpos, como elas também não desfrutarão de corpo algum porque estarão excitadas pelo meu toque, queimando pelo meu olhar que define, através de lentes, o que poderão ou não ser.
quando as luzes dos estúdios são apagadas, os equipamentos desativados, os profissionais recolhem escovas e maquiagens, os assistentes e estagiários arquivam fitas e roteiros... quando enfim, as mulheres entram solitárias em táxis que as levarão a lugar algum a não ser à expectativa de como terá sido suas atuações, quando o vigia solitário der boa noite a todos... quando o travo alcoólico saturado de nicotina embotar a minha mente cansada e incompleta, inconclusa e infeliz, me restará o silvo do ventilador de teto, a janela aberta para as putas da lapa e o corpo amigo do meu gato que se aninhará a mim sem tomar conhecimento de tudo o que eu não vivi.

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Nada encontrado. Seria ousadia demais definir o indefinível, dizer quem sou ou se sou. Deve ser uma miscelânia de idéias entrecortadas, salpicadas de perguntas sem respostas e indecisões doloridas. O que mais poderia ser?

Em suma...

"Em suma, namorei o diabo sem ter coragem para ir até o fim"
Sartre

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