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27/03/2007

Dar um tiro no espelho



um dia de sol é sempre um dia de sol. ou é mais um dia de sol. o que vejo na janela é um recorte de céu azul, uma condição de natureza ou seja, uma opção que me escapa. porque no fundo, é isso, são condições que nos escapam. durante a madrugada eu deveria ter escrito a sinopse para o roteiro a ser gravado na sexta feira. não fiz.
quando eu era criança, quando ia à festinhas e namorava aqui e ali, essas condições naturais afetavam o meu sono. depois, quando vi que era tudo uma lambança mesmo não é que o sono tenha se restabelecido, mas apelei para os soníferos e els resolveram o problema. agora, velho, me vejo ultimamente imune aos soníferos, refém à noite das adversidades do dia. pra quem conta carneirinhos ou nem precisa desse artifício, a coisa toda se resolve em prosaicas choradas ou uma tristeza leviana, porque passageira. tenho um amigo que é assim e admiro, tenho muita inveja. acontece que não sou e, na minha geração, os avanços da química já se esgotaram: não vão inventar outros soníferos. ou seja: caindo em mais uma armadilha do destino, quem dança sou eu. tudo bem, não vou me fazer de vítima, acho mesmo que todos são vítimas das armadilhas do destino. a diferença é que as pessoas têm lá seus mecanismos de defesa e continuam andando para a frente. claro que eu também tenho meus mecanismo de defesa, mas esses são outros, um pouco mais complexos porque são acompanhados de outras coisas que nem vou repetir porque estou muito cansado. aliás, era tudo o que eu precisava entender.
estou muito, mas muito cansado. cansado, como não estava há muitos anos. com toda a certeza, vem da idade que, discretamente, aumentando, vai debilitando a psiquê mas que, explicada, não resolve o problema, ao contrário. porque hoje, acredito que eu tenha a meu lado uma coisa que não possuía antes: a capacidade de antever mais ou menos o que a vida está me preparando. e não são coisas boas. porque uma coisa boa, não se encerra na idéia de 'uma coisa boa'. não, claro que não. uma coisa boa é uma coisa, mas ela não vem sozinha, como do vácuo. o que pode ser a coisa boa vem cercada de uma série de pequenas (e grandes) outras 'coisas'. imagino que não fugir, mas administrar essas coisas seja a questão. finalmente, chego ao ponto (viu? só escrevendo eu chego às conclusões!) principal da história: administrar a história. claro que ninguém tem culpa disso, muito menos ninguém tem nada a ver com isso, mas na hora de 'administrar' essa constelação que se aproxima é que eu danço. e danço feio e não quero dançar feio. cansei. não cansei esse ano não, não cansei de ninguém especificamente tampouco: cansei muito lá atrás, há muito tempo e é exatamente por causa dessa condição que criei a minha própria condição humana. então é assim, viabilizei uma condição humana e vivo nela num estado de frágil equilíbrio. aliás, imagino que todos os equilíbrios sejam mais ou menos frágeis, não sei. sei do meu.

nos últimos tempos, tive situações, conheci pessoas, migrei de moradias e empregos, essas coisas comuns à vida. todas são questões que mexem um pouco com meu equilíbrio, mas constatei que a mais séria são as pessoas. pelo seu próprio modo de ser, pela sua condição de pessoa, que pensa, tem vontades, fala, agrega, contorna, concorda, nega. a pessoa não é uma pessoa exatamente, é sobretudo, um outro ser que vem seguindo uma trajetória e que se vale obviamente de um certo equilíbrio que conquistou. tecnicamente, somos iguais. talvez a outra pessoa veja em mim uma possibilidade do seu desequilíbrio. ou não. da minha parte, sei que o outro pode ser uma fonte de desequilíbrio e trato assim a coisa, dando margem a interpretações erradas e a um certo rótulo de neurótico intransigente. claro que pode ser também. o que me fica e tem ficado em todas essas tentativas de história, é que eu saio mal. se eu pensar pelo outro lado, poderei constatar que as pessoas também saíram mal. ou não também. mas como eu estou em mim e não no outro, rola essa tendência de falar de mim. o que eu tenho é a minha experiência, que nem é tão pequena, imagino. e tenho uma experiência toda especial com as coisas que pintaram depois que eu já tinha descoberto que devia ficar quieto. claro que as coisas continuaram acontecendo e eu continuei participando do jogo vida. e não rolou nenhuma vez um final feliz. aliás, é uma redundância, porque como a morte, nenhum final pode ser feliz, é contraditório trazer no conjunto de finalização a felicidade. se esse utópico sentimento de felicidade tivesse se concretizado, ele se manteria e não aconteceria, então, o final. simples assim.
simples, mas difícil porque sou presa facílima de mim mesmo. ser ateu materialista, niilista de carteirinha, também são condições que me conduzem, me levam a uma fé sem tamanho nas coisas. talvez por isso eu tenha seguido vinícius na poética opção de acreditar piamente que um homem precisa ter uma mulher, que a felicidade só pode ser plena com amor. eu realmente acredito que o ser humano só pode ser pleno e feliz amando e vivendo ao lado da pessoa amada. acredito e não mudo! o que é paradoxal em mim é que, ao contrário do que pode parecer, a minha crença é infinitamente maior e mais complexa e mais carregada de regras e obrigações do que a de um cristão ou um judeu ou do islã inteiro (para falar apenas das crenças escritas)!
acreditar e pregar que a plenitude humana só será viável através do amor correspondido é a mesma coisa patética que o suicida que, ao invés de mirar a própria cabeça, dá um tiro no espelho. disparando contra o espelho, o homem continua respirando e sentindo ao mesmo tempo em que morre no reflexo.
a possibilidade de cada um atirar em seus espelhos cria a hipótese surreal de um mundo sem percepção, um mundo onde as pessoas vivem, mas não sabem quem são porque não se vêem fisicamente, apenas psicologicamente, perdendo assim a referência do contorno humano.
curioso é o meu grito de liberdade em relação ao metafísico, desconsiderando infantilmente a enorme bola de ferro amarrada no meu próprio pé.
no fundo, já sei que nada vai mudar: vou continuar caminhando e me seduzindo pela expectativa fácil de concretizar o impossível.

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Nada encontrado. Seria ousadia demais definir o indefinível, dizer quem sou ou se sou. Deve ser uma miscelânia de idéias entrecortadas, salpicadas de perguntas sem respostas e indecisões doloridas. O que mais poderia ser?

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"Em suma, namorei o diabo sem ter coragem para ir até o fim"
Sartre

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