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01/03/2007

recebi um e.mail muito carinhoso - como sempre - de A., relatando seu susto com o início de um post em que eu falava da mulherzinha. A. é uma amiga querida de muitos e muitos anos atrás embora passemos ciclos inteiros sem trocar sequer uma carta, mas sempre um lendo ao outro.
eu morava no bairro peixoto há uns dez anos atrás quando comecei a perceber a importância de ler o que as pessoas tinham a dizer em seus sites/blogs. A. morava numa cidade pequena do rio grande do sul.

lendo os artigos no espaço P.R. fui descobrindo, meio fascinado, que existia vida inteligente na internet, que o que ela fazia era literatura mesmo, e da boa. acho que mandei uma cartinha parabenizando e passamos a trocar correspondência. foi nessa época que, num encontro de motociclistas em minas gerais, eu deixei de comprar um sobretudo de lona oferecido a um preço que eu não podia pagar.

PDV, esse amigo do mais forte laço e de boa cepa, me convenceu a comprar uma motocicleta grande, preta e, além do seu uso urbano diário para trabalhar e etc. passei a rondar as noites, as madrugadas como uma mancha negra pilotando essa moto razovelmente potente.
nessa época eu dirigia 5 programas para três empresas diferentes e tinha meu dia e parte da minha noite completamente ocupados.

eu estava lendo muito dalton, o vampiro de curitiba, esse autor forte que jamais dava as caras. a motocicleta é uma veículo que agrega pessoas em torno do culto à máquina, mas eu transitava em alguns grupos sem fixar-me em nenhum. tinha prazer em, durante as madrugadas, rodar pela cidade inteira observando os seres da noite que a habitam e eu, de certa forma desconhecia. Não, eu conhecia, mas era diferente vê-los de passagem, na velocidade da motocicleta.

rodei muitos e muitos km visitando bairros diversos e convivendo com sua fauna. no baixo gávea tinha aquela coisa da garotada que bebia até cair naqueles bares que nunca fechavam. eu estacionava e sentava num banquinho ou mesmo apoiado na moto, olhava meninos e meninas riquinhos embriagando-se e drogando-se naquelas calçadas em que a polícia fazia vista grossa porque sabia que eles tinham dinheiro e poder.

depois comecei a ir ao recreio e descobri nos quiosques da beira-mar que outros grupos se reuniam naquela região mais deserta e bebiam e conversavam olhando para o mar, aguardando o nascer do dia.
depois eu inverti o rumo e minha motocicleta rodou a pouca velocidade pelas ruas do centro da cidade, pela gamboa, o cais, por ali... eu tinha acabado de concluir um documentário sobre Lima Barreto esse autor tão maldito, e olhava aquelas ruas quase desertas onde lima barreto caía de bêbado por não ser aceito pela inteligência.

rodava muito pela praça mauá e, vez por outra, entrava naquelas boates para marujos onde homens de todos os tipos, de todas as nacionalidades enchiam seus copos em mesas com velhas prostitutas, mulheres feias, sujas e decadentes. ficava um pouco e saía, arriscando-me por regiões absolutamente desertas que eu cortava com o ronco do motor, muitas vezes despertando famílias inteiras de mendigos que dormiam lá com suas folhas de papelão.

eu lembrava dos mendigos de nova york que se aqueciam acendendo fogueiras em latões de lixo, uma imagem forte que me ficou deses filmes que tratavam dos despossuídos. aqui, eles não tinham fogueira nem glamour, eram negros frágeis e com feridas expostas. não me recordo onde, mas uma madrugada tomei um daqueles sopões distribuídas por anônimos, gente que a gente desconhece, mas que se completam nesse trabalho solitário de solidariedade.

descobri ainda que os travestis da lapa eram completamente distintos daqueles da avenida atlântica, eram uma outra tribo. uma noite, um deles, acreditando que eu queria um programa, tomou uma cerveja meio quente... era um travestis desses, pobres, sem esperanças que, talvez, ao raiar do dia voltassem a ser pedreiros ou padeiros.
e toda essa experiência, essas coisas que eu ia descobrindo e vivenciando à cada madrugada, transcrevia para um espaço, incompreendido mas visitado, o sobretudo de lona.

foi a época em que me apaixonei perdidamente pelo 'Se um Viajante numa Noite de Inverno', de calvino, livro mágico em que os personagens em busca de determinado livro, perdiam-se ao final de cada capítulo para no seguinte, retomarem a busca em situações e lugares completamente diversos. uma história que não se fechva nunca (como a minha própria). nessa época escrevi um ensaio onde o eu personagem, de trem, percorria um longo caminho saltando em cada cidadela deserta e descobrindo, recorrente, que não era a que eu buscava.

por esses tempos, eu abri uma guerra sangrenta com quase todos os blogs que viam em mim a negação dos seus eus, que se bastavam em citações de autores famosos ou receitas culinárias. foi um período caótico... eu estava perdido na noite suja... por seu lado, A. promoveu uma reviravolta em seu percurso, tornando-se, cada vez mais, literatura pura... eu rodava as madrugadas vendo os meus perdidos da noite e assim foi. Como nos anos 60, tudo aconteceu. Eram as vésperas da revolução em minha vida. o destino estava fazendo a cama em mim, engatinhando para a reviravolta que culminou com minha subida à serra (quando PDV insistiu e eu li Walden).
Hoje, A. é casada e feliz. Gosto dos dois.

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"Em suma, namorei o diabo sem ter coragem para ir até o fim"
Sartre

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