Geraldo Iglesias*

serei duplamente acusado de descaso, indiferença e tudo o mais que houver nessa vida.
e não é mesmo para menos. o mal estar que se abate sobre mim ao acordar nesse novo dia deveria ser um problema somente meu. a minha indisponibilidade aparente é meu próprio carrasco (dos vários que habitam em mim.)

o inclemente sol lá de fora me incomoda como um filme de um homem caminhando no deserto, filme sem som. os prédios em frente, caixas de concreto, me impingem uma certa coletividade, uma certa obrigação de ser humano e social. sou humano por descuido, jamais social.

o pet de coca cola defeituoso me surpreende, quando eu mais precisava dele, com um líquido estragado... incapacidade de falar, esse exercício monumental de mexer a mandíbula para que saia a palavra. calo então. os edifícios ali em frente, banhados de sol, me seguem com seus olhares/janelas

o jornal só fala do etanol que me é absolutamente indiferente... a história do aquecimento global é irrelevante, um jogo pós-moderno como as histórias de dragão da minha infância (quando eu queria ser um pirata subalterno da caravela encalhada do capitão gancho)

copos de água gelada, uns seguidos aos outros para tentar reaver minha poção líquida (não tem uma história que somos 60% água? onde ela está? meu xixi tem esse percentual alto de mim mesmo? estou mais na privada do que fora dela?

criei esse signo, criatura que envolve e ilude, tem uma falsa vida própria sendo apenas uma marionete virtual de um eu que sou, antes de tudo, um ilusionista barato, de circo de subúrbio de cidade do interior do piauí.