rascunho
ontem, já na cama, antes de dormir eu fiquei pensando que não devia ter vendido minha casa em secretário. o dinheirinho que eu gastei na reforma desse apartamentozinho, eu poderia ter gasto reformando lá. e, se já morei lá antes, poderia muito bem morar novamente.
são pensamentos que vêm e vão, não chegam a levantar poeira. outras vezes penso que poderia muito bem ter me dedicado mais ao teatro do que a televisão e, outras vezes, acho que devia ter estudado desenho, para o que tive grande vocação no início.
isso ou aquilo. aquilo ou isso. ou os dois. e por que não, três? eu fico com a televisão ligada, mas me abstraio e vou pensando nas coisas que fiz, nas coisas que tenho para fazer, nas coisas que não devo fazer. e, cá pra nós, a relação de coisas que devemos não fazer é bem grande, né? tão grande que começam a nos ensinar quando nascemos e que, mesmo tendo aprendido, acabamos por fazer. acho que todo mundo é assim. não sei. fiquei imaginando que temos determinados mecanismos psíquicos que neutralizam um certo sofrimento diante das opções. se não houvesse esse mecanismo, ficaríamos loucos na medida em que, à cada segundo, temos que escolher entre fazer e não fazer.
e não fazer acaba sempre sendo o pior. aprendemos a não fazer, mas se não fazemos, pagamos por ter deixado de fazer. quando eu escolhi a cor branca para o piso do cenário eu não fiz a opção certa porque o branco é difícil de ser iluminado, a operação de vídeo é mais difícil, mais sujeita a erros e porque a manutenção do tapete branco é quase inviável. portanto, me amparando em conceitos estéticos (que bordieu questionou) eu não escolhi a opção certa.
a negação é uma abstração que, da mesma forma que o mal, incomoda. existe o branco e o preto, o céu e o inferno, o sim e o não, deus e o diabo. todas essas idéias podem ser trocadas dependendo do ponto de vista em que as observamos. perguntei a um mineiro o seguinte: quando estamos vindo de lá, de antes, a cidade de Além Paraíba deve ser chamada de Aquém Paraíba? não me respondeu. aliás, as pessoas só respondem ao que querem e como querem. e me incluo nesse grupo, claro.
posso estar fazendo alguma coisa para alguém e pensando que não estou fazendo para mim e posso fazer para mim e demonstrar que não estou fazendo para a pessoa. ou o contrário. ou o contrário do contrário. quando eu disse que a cor de fundo para a larissa seria âmbar, as pessoas disseram que estava bom. duas semanas depois, quando eu disse que o tom de fundo da larissa deveria ser azul, as pessoas disseram que estava bom. ou bem elas não disseram o que pensavam quando eu escolhi o âmbar ou não disseram o que pensavam quando mudei para o azul. da mesma forma, do meu ponto de vista, eu NÃO vi que o azul era melhor do que o âmbar. ou não.
quando eu escrevo aqui e ali que não quero ter um filho agora por isso ou por aquilo, idade, dinheiro, essas coisas, eu estou dizendo para mim mesmo um não sobre a alegria, o prazer e a vontade de que eu quero ter mais um filho. imagino que uma criança, um ser, quando fecundado, vem, em última análise em contraposição à possibilidade de não ter havido a fecundação. e quando eu morrer estarei aceitando que a vida não se permite mais a mim.
o que eu estou exercitando é o mal. agindo como o demônio. dizendo que o ódio é pior do que o amor... partindo do princípio nefasto do NÃO. mas, olhando bem, reconheço que toda a história pode ser contada da mesma maneira de forma literalmente inversa, usando apenas a palavra SIM. a tudo o que eu antepus um NÃO poderia ter descrito às avessas, colocando um SIM. a leitura desse raciocínio barato faz ver que eu vivo a vida de maneira nefasta, partindo sempre do não. o que eu me pergunto é: será que não estou sendo tolinho no todo, incomodando corações e mentes se rigorosamente tudo também se aplica com o uso sim? com certeza
agora, o que eu acho mais inocente ainda é não perceber a lógica, a obviedade de que não e sim, deus e diabo não são absolutamente nada, apenas figuras de representação da mesma possibilidade, da mesma realidade. ser um católico fervoroso, um judeu praticante, um niilista ou um ateu materialista são apenas nomes, impressões, figuras de representação de um mesmo eu - fazendo uso do livre arbítreo vocabular - para falar do metafísico. afinal, não há nada mais metafísico do que um niilista ou ateu e materialista.
por isso a menina se irritou comigo, quando discutíamos sobre a utilidade de paredes caiadas de branco construídas à esmo, sem a finalidade de tornar-se uma moradia, irritou-se, eu dizia, quando perguntei se lia caudalosos livros de 798 páginas em branco. por inexperiência intelectual, ela entendeu como um chiste, a realidade que é ler o livro com as páginas em branco porque a história está é na nossa cabeça e não, impressas ali.
tudo isso tem uma finalidade: eu dizer que estou com uma enorme preguiça de fazer uma reunião de pauta.

Um comentário:
PEGANDO CARONA NO SEU RASCUNHO
"BOBEIRA E NÃO VIVER A REALIDADE"...
B.
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